mdoc

X-RayDoc


Coordenação Jorge Campos

03ago

Casa da Cultura

10h00

Conversa / debate

com Jorge Campos sobre os filmes Lettre de Sibérie (França, 1957, 67'), de Chris Marker, e …À Valparaíso (Chile/França, 1963, 27'), de Joris Ivens

Em X-RAYDOC faz-se a análise de flmes cuja importância seja indiscutível para uma História do Documentário na qual se releva, como elemento estruturante, a relação com o outro, em contexto. Esta relação tem consequências a diversos níveis, desde logo no plano das soluções narrativas plasmadas em função de critérios quer de ordem ética quer de ordem estética. Daí que, sendo o real - a matéria prima do documentário - feito de mudança, resulte uma multiplicidade de declinações combinatórias, praticamente infinita, inevitável num cinema que interpela o seu tempo e quem o habita. É esse o domínio do olhar. Portanto, de toda uma teoria. Há documentários que influenciaram o desfecho de guerras, levaram à absolvição de condenados à morte, lançaram nova luz sobre adquiridos, denunciaram situações insustentáveis, mudaram a vida de milhares de pessoas. Há documentários que mudaram o próprio cinema. X-RAYDOC inscreve-se no quadro desta singularidade, procurando ir mais além.

Chris Marker e Joris Ivens

De Lettre de Sibérie (1957) a ...à Valparaiso (1963)

Lettre de Sibérie (1957) de Chris Marker e ...à Valparaiso (1963) de Joris Ivens são dois filmes fundamentais nas obras dos cineastas. Quer um quer o outro equacionam questões sociais, individuais e culturais relacionando-as com tópicos como território, identidade, passado, presente e futuro. O primeiro faz uma viajem pela Sibéria. Recupera o travelogue e inaugura o estilo epistolar de Marker, até então ainda apenas entrevisto em Dimanche à Pekin (1956). O segundo, com filiação nas sinfonias das cidades, de cunho fortemente poético, é um mosaico policromático sobre o famoso porto de mar chileno, no qual o olhar é indissociável de uma sempre presente memória do Cinema. Acresce que ...à Valparaiso é a primeira colaboração dos dois cineastas.

Quando mostrados em conjunto Lettre de Sibérie e ...à Valparaiso permitem ampliar o reconhecimento da sua importância o documentário. Ambos estabelecem um corte com a narrativa de tradição griersoniana, investem num certo experimentalismo da montagem, abrem um debate em novos moldes sobre o ponto de vista e dão importância central à questão do texto e ao modo de o dizer, bem como à voz. Ivens, porventura, a mais destacada figura do documentário à época, encontra em Marker o autor ideal para redigir o comentário do seu filme. Marker não dispensa a informação, mas privilegia a estratégia ensaística que exige a reflexão e convoca a imaginação. O texto é contraponto da imagem, podendo até questionar o seu estatuto de evidência. A leitura é determinante. No filme de Ivens é Roger Pigaut, ator de vincada singularidade, quem a faz. Em Lettre de Sibérie é Georges Rouquier, cineasta herdeiro de Robert Flaherty e autor do lendário Farrebique (1946).

Em qualquer dos casos, há uma iconografia deslumbrante. A viagem à misteriosa Sibéria utiliza imagens tão inesperados quanto o são, por exemplo, os ângulos de vista de observação da paisagem, o uso de desenhos animados e até de anúncios publicitários, afinal, marcas do experimentalismo de Marker. Quanto a Valparaíso, o relato do quotidiano passa pelas colinas da cidade com as suas escadarias íngremes, pelos omnipresentes teleféricos a abarrotar de pessoas e por citações poéticas de planos e sequências famosas da História do Cinema. É Ivens em fase de reencontro com as suas raízes, por exemplo, Brug (1928) e Regen (1929).

Há ainda algumas curiosidades sempre presentes quando se trata de História do Documentário. Por exemplo, se a viagem de Marker ocorre por convite da Associação de Amizade França - URSS no tempo do degelo do estalinismo (é factual), a visita de Ivens ao Chile viria na sequência de um encontro em Cuba com Salvador Allende, em 1961 (talvez seja factual, talvez não). Certo é ...à Valparaiso resultar de um trabalho de escola no âmbito da Universidade de Santiago do Chile, então a iniciar os estudos de Cinema. Parece ter sido importante para a criação de um cinema novo no país. Quanto a Lettre de Sibérie não passa nem de perto nem de longe por qualquer ideia que possa estar associada ao realismo socialista.

Jorge Campos

Joris Ivens and Chris Marker in Leipzig, 1963. Coll EFJI

Lettre de Sibérie


de Chris Marker | França, 1957, 67'

…À Valparaíso


de Joris Ivens | Chile/França, 1963, 27'

jorge campos

Jorge
Campos

Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de Santiago de Compostela, especialista em Cinema Documental, professor do Ensino Superior, jornalista, cineasta e programador cultural. Como jornalista trabalhou na Imprensa, Rádio e Televisão, designadamente na RTP, onde esteve 25 anos. Realizou vários documentários e foi o Programador responsável pela área de Cinema, Audiovisual e Multimédia do Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura, bem como do ciclo de Fotografia e Cinema Documental Imagens do Real Imaginado do Instituto Politécnico do Porto. Anima o blogue narrativas do real.