Herdeiros do esquema de pensamento do Estado-Nação, nunca se nos ocorre perguntar quem somos nós quando alguém assim nos designa em modo colectivo. Somos os portugueses, os melgacenses, aquilo que cada um quiser dizer consoante reza no Cartão de Cidadão – ou não. Quando estamos emigrados, estrangeiros noutra terra e descolados da que foi nossa, a identidade vacila, a ideia de comunidade dissolve-se. Pessoa dizia que a sua pátria era a sua língua, mas há muito quem duvide, como Natália Correia, e nem sequer reconheça a mátria na pátria, a primeira construída por afectos – a motherland , matriz primeira -, a outra mais impessoal ou institucional.
Agora que tudo parece deslimitado – as fronteiras políticas permeáveis, o território aberto, a diluição na Europa, no mundo, a circulação intensa e frenética da informação, das imagens, dos valores -, não se sabe o que seja a mátria, a terra ou a língua-mãe.
Melgaço, em especial, é uma dessas terras. Como em muitos outros lugares, os que aqui residem agora são ínfima parte dos que aqui nasceram e há muitos que nascem algures e que às vezes dizem que são de cá. Não é para trocar palavras. É apenas pela razão simples de que a definição de um grupo de pertença é a matéria fundamental para se saber quem somos “nós” e que coisas podemos fazer juntos. É isso que define a esfera pública e o sentido político da comunidade.
Noutros tempos, a maioria nascia e morria na mesma terra. Eram dali como as árvores e as pedras e isso bastava. Quase tudo o que ali se passava se explicava pelo os que dali faziam ou eram. Agora o espaço geográfico e as suas geografias político-administrativas perderam esta capacidade de fazer coincidir sociedade e território.
Faz sentido por isso questionar quem somos os que aqui estamos, porque no meio dessa demanda aparecerão muitos, muitos outros que aqui de alguma forma pertencem pelo que sentem, fazem ou são. Cidadãos flutuantes, gente de muitas terras que não raro por cá se cruza ou se faz sentir.
O projeto Quem somos os que aqui estamos? incidiu na freguesia de Parada do Monte, do concelho de Melgaço.
Na edição do MDOC – Festival Internacional de Documentário de Melgaço, de 2019, será promovida uma exposição de fotografia a partir dos álbuns familiares, a inaugurar na Sede da Junta de Freguesia de Parada e a edição de uma publicação sobre o trabalho realizado.
Produzido pela Associação AO NORTE, este projeto é coordenado por Álvaro Domingues, tem produção executiva de Rui Ramos e conta com colaboração de Albertino Gonçalves, Carlos Eduardo Viana, Daniel Maciel, Miguel Arieira, Daniel Deira, João Gigante e Ivo Poças Martins.